domingo, 26 de abril de 2009

O Abuso Sexual


“Devia-se pedir aos adultos que imaginassem o que achavam se fossem eles as crianças a quem estão a fazer essas coisas” (Sofia, 13 anos).

Abuso sexual é a denominação vulgar e legal para designar uma série de práticas sexuais onde há o descrédito de alguns pressupostos necessários para sua ocorrência, tais como a falta de consentimento, ou o uso de violência (física ou moral) (Pestana & Páscoa, 1998).

Num sentido estrito, o termo "abuso sexual" corresponde ao acto sexual obtido por meio de violência, coação, chantagem, ou como resultado de alguma condição debilitante.

Num sentido mais amplo, embora de menor exactidão, o termo "abuso sexual de menores" pode designar, também, qualquer forma de exploração sexual de crianças e adolescentes, incluindo o incentivo à prostituição, a escravidão sexual, a migração forçada para fins sexuais, o turismo sexual e a pornografia infantil (Pestana & Páscoa, 1998).

Os agressores (pais, madrastas, padrastos, meios-irmãos, entre outros.) envolvem fortes laços afectivos com a vítima (Thomas, M., Eckenrode, et al.1997).

Para além do abuso sexual, as crianças podem ser vítimas inclusive de abuso físico e psicológico, mas no que respeita ao abuso sexual, este é mantido, durante um largo tempo, e envolve a Síndrome de Segredo, e da Síndrome de Adição (Furniss, 1992).
Na Síndrome de Segredo o agressor têm noção que o acto que comete é inaceitável socialmente e como tal, tende a proteger-se através de uma teia de segredo, que é mantido graças às constantes ameaças feitas à criança (Furniss, 1992).
Já na Síndrome de Adição existe um comportamento compulsivo de descontrole de impulso frente ao estímulo gerado pela criança, ou seja, o abusador, por não se controlar, usa a criança para a obtenção de excitação sexual e alívio de tensão, gerando consecutivamente dependência psicológica e negação da dependência (Furniss, 1992).

As famílias incestuosas em que ocorre o abuso, apresentam relações interpessoais assimétricas e hierárquicas, nas quais há uma desigualdade e/ou uma relação de subordinação. Os membros pertencentes desta família têm as seguintes características: pai e/ou mãe abusados ou negligenciados nas suas famílias de origem; consumo de substâncias tóxicas, papéis sexuais rígidos; falta de comunicação entre os membros da família; mãe passiva e/ou ausente; dificuldades conjugais; isolamento social; pais que sofrem de transtornos psiquiátricos

Existe uma maior incidência de abusos sexuais em raparigas, sendo a idade de início entre os 5 e 8 anos de idade (Golse, 1998).
Geralmente a mãe é a figura a que a vítima recorre, na ânsia de conseguir pôr termo a situação aterradora que está a viver, mas no entanto observa-se que apenas uma pequena parte dos abusos sexuais são denunciados, e esta denuncia ocorre depois de mais de um ano de abusos.

O abuso é caracterizado por uma progressão ascendente, corresponde à maior maturidade física-sexual da vítima. Inicia-se com carícias, seguindo-se de tirar as roupas e expor os seus genitais, masturbação da vítima pelo agressor ou vice-versa, indo até ao sexo oral, anal, vaginal ou até à obrigação de assistir a relações sexuais de terceiros.

Os abusos causam na vítima sentimentos de culpa (sentem-se culpadas pelo sucedido e diferentes das outras crianças da mesma idade), raiva, medo, vergonha e falta de compreensão e grande parte das crianças expressa o desejo de se afastar do agressor (Teicher, 2000).

Na maioria dos casos o agressor é do sexo masculino e tem vínculos afectivos com a vítima, ou seja, geralmente é pai biológico, padrasto ou pai adoptivo da vítima (Thomas, M., Eckenrode, et al, 1997).

Os agressores usualmente situam-se na faixa etária dos 30 aos 40 anos, grande parte estão desempregados, sendo esta condição é um factor de risco para a violência intrafamiliar, na medida que pode gerar conflitos entre os membros da família e um clima de stress, ao ficar mais tempo em casa, o agressor fica responsável pela criança, passando mais tempo com ela e tendo mais oportunidades para abusar sexualmente desta.

Em pequena escala os agressores não abusam apenas uma vítima, mas estendem-se a outros membros da família, como irmão da vítima, enteadas entre outros.
Quando são questionados acerca do motivo para cometerem tamanho acto, o agressor comum apresenta os seguintes motivos: tem a percepção que a vítima é uma pessoa adulta capaz de ter relações sexuais, por questões religiosas; e desejar ser o responsável pela iniciação da vida sexual da vítima (que nestes casos geralmente é a filha) (Magalhães, 2002).

As consequências do abuso sexual (que podem ser tanto do foro psíquico como físico) são delicadas. Relativamente a danos psicológicos, a situação é muito precária, principalmente nos casos em que o abusador é uma pessoa predilecta, o que torna mais confuso, na cabeça da criança ou do adolescente, perceber que o que está a acontecer é uma violência e que aquele comportamento foge à normalidade (Wallon, 1995).

Quanto às consequências do abuso sexual do ponto de vista físico é deveras relevante ter em conta as doenças sexualmente transmissíveis, principalmente a SIDA, para além dos inúmeros casos em que a vítima sofre lesões graves causadas pelo agressor.

Existem, ainda, casos de gravidez decorrente de abuso sexual praticado pelo próprio pai ou padrasto, abarcando, nestas situações, consequências físicas, psicológicas e sociais.

A criança vítima de abuso sexual apresenta usualmente alterações comportamentais, tais como: mudanças abruptas de comportamento (agressão, depressão, comportamentos suicidas, baixa auto-estima, pesadelos, fobias, problemas escolares), comportamentos autodestrutivos (abuso de álcool e outras drogas, prostituição) e comportamento sexual inapropriado para a faixa etária (masturbação excessiva, interacção de cunho sexual com outras crianças) (Wallon, 1995).

A criança, que é vítima de abuso sexual prolongado, desenvolve uma perda da auto-estima e adquire uma representação anormal da sexualidade. Esta pode tornar-se muito retraída, perder a confiança em todos adultos e pode até chegar a considerar o suicídio, principalmente quando existe a possibilidade da pessoa que abusa ameaçar de violência se a criança negar-se aos seus desejos. Para além disto, sentimentos comuns são vergonha, impotência e insegurança.

A longo prazo estas crianças podem desenvolver fobias, pânico, comportamento anti-social; consumo de substâncias; promiscuidade; disfunção sexual/aversão ao sexo; actividade criminal.


O abuso sexual representa um fenómeno complexo, que deve ser analisado com a máxima precisão, no sentido de salvaguardar a integridade física, psicológica e social da vítima.

Como é referido por Pedro Strecht (2001): “Como podem bocas feitas de silêncio manterem-se invioláveis?”, mostrando de seguida as suas grandes preocupações, preocupações essas que devem constituir as metas, especialmente no que aos psicólogos compete, no âmbito deste tema, “Quero comover com palavras, quero ver vidas correrem mais descansadas”.


8 comentários:

Mário Duarte disse...

Finalmente um assunto que felizmente ou infelizmente já ouvi falar... :) e que por acaso é um assunto que me causa alguma revolta...

Penso que causará a qualquer pessoa que tenha no lugar do coração...um coração.

Sim, porque essas pessoas que abusam sexualmente de crianças no lugar do coração devem ter um pedaço de esferovite que não serve para mais nada a não ser para encher aquela cavidade.

Desde que falo com pessoal de psicologia que me tenho habituado a ser mais leviano com qualquer tipo de comportamento menos adequado, porque na verdade as pessoas padecem de uma psicopatologia qualquer e precisam de tratamento...em muitos casos tento perceber a origem do comportamento, neste caso sinceramente não consigo...é demasiadamente desumano... :/

Um abraço

Psykhe disse...

Sim Mário, não é possível desculpar tais actos devido à tal patologia associada. Até porque quem comete este tipo de crimes tem consciência do que faz (o juízo crítico é que poderá estar afectado) e, dessa forma, terá que ser devidamente punido. Há uns que se safam como o famoso caso do "Monstro Austríaco" que vai passar umas belas férias no Hospital Psiquiátrico para o resto da sua vida.

Mário Duarte disse...

Que rapidez de resposta...assim tá bem... :)

Sim, sem duvida que devem ser punidos...só podia ser assim...infelizmente ainda há muitos que se mantêm no anonimato e nunca se chega a saber o que andam a fazer.

Os caniches ao pé de pessoas com o nível do Monstro Austríaco são uns animais amorosos...enfim, o assunto é sério e não se deve brincar com essas coisas.

Fico à espera de um assunto assustadoramente mais complicado e que me deixe deveras impressionado :) De certeza que tens vários para falar ou não fosses tu amigo da Curelina :P eheh

Abraço

Rosa Silvestre disse...

Um excelente artigo que dá que pensar, sobretudo quando são familiares os envolvidos...
Parabéns!

Anónimo disse...

fui vítima de abuso sexual por um tio quando eu tinha mais ou menos 8 anos... ele me fazia tocá-lo... não era violento, mas havia sempre uma ameaça tácita.
quando minha família soube, culpou-me por não ter lhes contado antes e isso foi muito devastador pra mim e mais tarde gerou uma sindrome de pânico.
tive contato com este tio por toda a vida e só adulta pude dizer a ele que sentia nojo e que não o queria por perto.
procuro pensar na loucura dele... mas confesso que, na sua morte, senti uma espécie de prazer...
as dores deste ocorrido ainda estão em mim... mas não me fizeram doente e trabalhei muito isso em terapia... mas é algo difícil de esquecer.
valéria

Psykhe disse...

Valéria,

Admiro a sua coragem e força em colocar neste espaço o seu testemunho que, infelizmente, se equipara a tantas histórias que continuam a ser recorrentes (provavelmente o seu testemunho vai mesmo no sentido de uma maior sensibilização nesse aspecto).

Esquecer uma situação dessas é pedir demasiado a quem passou por ela, mas vejo, de alguma forma, que conseguiu contornar esse obstáculo e é um exemplo de força para muitas pessoas que ainda vivem nesse pesadelo.

Agradeço o seu testemunho e daqui vão votos de que tudo corra bem de agora em diante.

Cumprimentos

Cínthia disse...

Bom dia, eu sou universitária
e estou fazendo um trabalho sobre abuso sexual
gostei muito do seu texto e adoraria colocar citações dele no meu trabalho,
porém somente o nome Psykhe, como autor do texto, n foi aceito pela minha professora.
Não queria perder a oportunidade de utilizar seu texto por isso peço-lhe
para me informar o nome todo do autor do texto: abuso sexual.
Desde já agradeço
Att.
Cínthia

Anónimo disse...

Senti falta das referências.
Excelente texto.