sexta-feira, 26 de novembro de 2010
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domingo, 26 de abril de 2009
O Abuso Sexual
“Devia-se pedir aos adultos que imaginassem o que achavam se fossem eles as crianças a quem estão a fazer essas coisas” (Sofia, 13 anos).
Abuso sexual é a denominação vulgar e legal para designar uma série de práticas sexuais onde há o descrédito de alguns pressupostos necessários para sua ocorrência, tais como a falta de consentimento, ou o uso de violência (física ou moral) (Pestana & Páscoa, 1998).
Num sentido estrito, o termo "abuso sexual" corresponde ao acto sexual obtido por meio de violência, coação, chantagem, ou como resultado de alguma condição debilitante.
Num sentido mais amplo, embora de menor exactidão, o termo "abuso sexual de menores" pode designar, também, qualquer forma de exploração sexual de crianças e adolescentes, incluindo o incentivo à prostituição, a escravidão sexual, a migração forçada para fins sexuais, o turismo sexual e a pornografia infantil (Pestana & Páscoa, 1998).
Os agressores (pais, madrastas, padrastos, meios-irmãos, entre outros.) envolvem fortes laços afectivos com a vítima (Thomas, M., Eckenrode, et al.1997).
Para além do abuso sexual, as crianças podem ser vítimas inclusive de abuso físico e psicológico, mas no que respeita ao abuso sexual, este é mantido, durante um largo tempo, e envolve a Síndrome de Segredo, e da Síndrome de Adição (Furniss, 1992).
Na Síndrome de Segredo o agressor têm noção que o acto que comete é inaceitável socialmente e como tal, tende a proteger-se através de uma teia de segredo, que é mantido graças às constantes ameaças feitas à criança (Furniss, 1992).
Já na Síndrome de Adição existe um comportamento compulsivo de descontrole de impulso frente ao estímulo gerado pela criança, ou seja, o abusador, por não se controlar, usa a criança para a obtenção de excitação sexual e alívio de tensão, gerando consecutivamente dependência psicológica e negação da dependência (Furniss, 1992).
As famílias incestuosas em que ocorre o abuso, apresentam relações interpessoais assimétricas e hierárquicas, nas quais há uma desigualdade e/ou uma relação de subordinação. Os membros pertencentes desta família têm as seguintes características: pai e/ou mãe abusados ou negligenciados nas suas famílias de origem; consumo de substâncias tóxicas, papéis sexuais rígidos; falta de comunicação entre os membros da família; mãe passiva e/ou ausente; dificuldades conjugais; isolamento social; pais que sofrem de transtornos psiquiátricos
Existe uma maior incidência de abusos sexuais em raparigas, sendo a idade de início entre os 5 e 8 anos de idade (Golse, 1998).
Geralmente a mãe é a figura a que a vítima recorre, na ânsia de conseguir pôr termo a situação aterradora que está a viver, mas no entanto observa-se que apenas uma pequena parte dos abusos sexuais são denunciados, e esta denuncia ocorre depois de mais de um ano de abusos.
O abuso é caracterizado por uma progressão ascendente, corresponde à maior maturidade física-sexual da vítima. Inicia-se com carícias, seguindo-se de tirar as roupas e expor os seus genitais, masturbação da vítima pelo agressor ou vice-versa, indo até ao sexo oral, anal, vaginal ou até à obrigação de assistir a relações sexuais de terceiros.
Os abusos causam na vítima sentimentos de culpa (sentem-se culpadas pelo sucedido e diferentes das outras crianças da mesma idade), raiva, medo, vergonha e falta de compreensão e grande parte das crianças expressa o desejo de se afastar do agressor (Teicher, 2000).
Na maioria dos casos o agressor é do sexo masculino e tem vínculos afectivos com a vítima, ou seja, geralmente é pai biológico, padrasto ou pai adoptivo da vítima (Thomas, M., Eckenrode, et al, 1997).
Os agressores usualmente situam-se na faixa etária dos 30 aos 40 anos, grande parte estão desempregados, sendo esta condição é um factor de risco para a violência intrafamiliar, na medida que pode gerar conflitos entre os membros da família e um clima de stress, ao ficar mais tempo em casa, o agressor fica responsável pela criança, passando mais tempo com ela e tendo mais oportunidades para abusar sexualmente desta.
Em pequena escala os agressores não abusam apenas uma vítima, mas estendem-se a outros membros da família, como irmão da vítima, enteadas entre outros.
Quando são questionados acerca do motivo para cometerem tamanho acto, o agressor comum apresenta os seguintes motivos: tem a percepção que a vítima é uma pessoa adulta capaz de ter relações sexuais, por questões religiosas; e desejar ser o responsável pela iniciação da vida sexual da vítima (que nestes casos geralmente é a filha) (Magalhães, 2002).
As consequências do abuso sexual (que podem ser tanto do foro psíquico como físico) são delicadas. Relativamente a danos psicológicos, a situação é muito precária, principalmente nos casos em que o abusador é uma pessoa predilecta, o que torna mais confuso, na cabeça da criança ou do adolescente, perceber que o que está a acontecer é uma violência e que aquele comportamento foge à normalidade (Wallon, 1995).
Quanto às consequências do abuso sexual do ponto de vista físico é deveras relevante ter em conta as doenças sexualmente transmissíveis, principalmente a SIDA, para além dos inúmeros casos em que a vítima sofre lesões graves causadas pelo agressor.
Existem, ainda, casos de gravidez decorrente de abuso sexual praticado pelo próprio pai ou padrasto, abarcando, nestas situações, consequências físicas, psicológicas e sociais.
A criança vítima de abuso sexual apresenta usualmente alterações comportamentais, tais como: mudanças abruptas de comportamento (agressão, depressão, comportamentos suicidas, baixa auto-estima, pesadelos, fobias, problemas escolares), comportamentos autodestrutivos (abuso de álcool e outras drogas, prostituição) e comportamento sexual inapropriado para a faixa etária (masturbação excessiva, interacção de cunho sexual com outras crianças) (Wallon, 1995).
A criança, que é vítima de abuso sexual prolongado, desenvolve uma perda da auto-estima e adquire uma representação anormal da sexualidade. Esta pode tornar-se muito retraída, perder a confiança em todos adultos e pode até chegar a considerar o suicídio, principalmente quando existe a possibilidade da pessoa que abusa ameaçar de violência se a criança negar-se aos seus desejos. Para além disto, sentimentos comuns são vergonha, impotência e insegurança.
A longo prazo estas crianças podem desenvolver fobias, pânico, comportamento anti-social; consumo de substâncias; promiscuidade; disfunção sexual/aversão ao sexo; actividade criminal.
O abuso sexual representa um fenómeno complexo, que deve ser analisado com a máxima precisão, no sentido de salvaguardar a integridade física, psicológica e social da vítima.
Como é referido por Pedro Strecht (2001): “Como podem bocas feitas de silêncio manterem-se invioláveis?”, mostrando de seguida as suas grandes preocupações, preocupações essas que devem constituir as metas, especialmente no que aos psicólogos compete, no âmbito deste tema, “Quero comover com palavras, quero ver vidas correrem mais descansadas”.
sexta-feira, 3 de abril de 2009
A Depressão Infantil
A depressão infantil tem suscitado um interesse gradual em muitos profissionais de psicologia clínica e de psicologia do desenvolvimento infantil. Esta patologia, contudo, não é frequentemente reconhecida ou detectada precocemente, uma vez que os sintomas apresentados pelas crianças diferem dos apresentados pelos adultos, constituindo, assim, um obstáculo para a formulação do diagnóstico (Calderaro & Carvalho, 2005).
Um outro entrave para a elaboração do diagnóstico da depressão, segundo Reis e Figueira (2001), prende-se com a dificuldade que as crianças manifestam na nomeação de sintomas que surgem de maneira multifacetada.
Relativamente à etiologia da depressão infantil, vários são os autores que ao longo do tempo se dedicaram à proposta de modelos explicativos para esta patologia.
Winnicott (1971) refere que as fases precoces do desenvolvimento emocional do bebé são sustentadas pelo meio ambiente onde ele se insere. Ao estabelecer um contacto visual com a sua mãe, o bebé projecta-se, à semelhança de um espelho, no rosto dela, sentindo algo como o que é descrito pelo autor: “Quando olho, sou visto; logo, existo. Posso agora permitir-me a olhar e ver” (Winnicott, 1971).
Se o bebé não recebe um feedback do rosto da sua mãe nesse contacto visual, experiencia o sentimento de não receber o que está a dar, i.e., num plano metafórico, o bebé olha-se e não se vê. Diante estas adversidades, os bebés tentam encontrar vias para se confortarem a eles próprios, adoptando, por exemplo, comportamentos de balançar (típicos de depressão infantil e de perturbação do autismo), realizando o processo de desenvolvimento a partir do meio ambiente.
Segundo a perspectiva de Marcelli (1998), a doença psíquica de um dos pais constitui um factor de risco que pode chegar a 43 %. A depressão materna desencadeia, indo ao encontro da posição de Winnicott, uma carência de interacção no bebé, a qual poderá, posteriormente, desenvolver na criança uma susceptibilidade a acontecimentos futuros que comprometem perdas. Nessa linha de pensamento, segundo Solomon (2002), é inevitável a contemplação da vulnerabilidade genética na etiologia da depressão (Calderaro & Carvalho, 2005).
René Spitz, psicanalista americano, dedicou parte da sua vida profissional ao estudo de um tipo específico de comportamentos observados em bebés dos 6 aos 18 meses, inseridos em meios de desenvolvimento desfavoráveis caracterizados pela separação da figura materna: inicia-se, numa primeira fase, um período de choro, depois um período caracterizado por comportamentos de retirada e de indiferença, ao mesmo tempo que se assiste a uma regressão do desenvolvimento, conduzindo até a um estado próximo do marasmo. Spitz chama a esta reacção “depressão anaclítica” atendendo que a criança normal contempla na mãe todo o suporte necessário para promover o seu desenvolvimento, suporte este que lhe falta, inesperadamente, na depressão analítica (Marcelli, 2005). Este tipo de depressão poderá levar, inclusive, à morte do bebé.
John Bowlby, à semelhança de Spitz, contribuiu, com as suas investigações, para o estudo das reacções da criança face a uma separação materna. O autor defende que a fase considerada mais crítica situa-se entre os 5 meses e os 3 anos de idade, observando-se uma sucessão comportamental face à separação: numa primeira instância, o bebé atravessa uma fase de protesto no momento de separação (e.g. com choro, agitação, procura seguir os pais - estas manifestações tendem a atenuar passados dois ou três dias); posteriormente segue-se a fase de desespero (rejeição por parte do bebé em comer, vestir, não solicita nada ao meio que o rodeia, assemelhando-se a um estado de grande luto) e, por último, aparece a fase de desvinculação (não recusa a presença de enfermeiros, aceita os seus cuidados, comida e brinquedos - se nesta fase a criança revê a mãe, poderá não reconhecê-la ou desviar-se dela, sendo que, na maioria das vezes, chora ou grita.) (Marcelli, 2005).
Como demonstrado, a depressão infantil uma problemática que, maioritariamente, passa despercebida aos olhos dos pais ou dos técnicos profissionais, contudo, é imprescindível que os profissionais de saúde estejam atentos a toda esta dinâmica e ao facto das crianças apresentarem, igualmente, problemas de existência podendo levar ao suicídio infantil.
terça-feira, 10 de fevereiro de 2009
John Wayne e Psicanálise
Neste post apresentarei, numa primeira instância, uma pequena biografia de um dos mais famosos serial killers que a humanidade já confrontou, John Wayne Gacy, e, posteriormente, tentarei elaborar uma explicação, com fundamentação psicanalítica, do perfil deste individuo.
Notas Biográficas
"John Wayne Gacy Jr., também conhecido por O Palhaço Assassino ou Pogo, nasceu a 17 de Março do ano de 1942 em Chicago. Filho de pai alcoólico, teve uma infância traumática , sendo frequentemente espancado e alcunhado de “maricas” pelo próprio pai. Quanto à sua relação com a sua mãe, esta era bastante próxima com alguns traços de identificação.
Gacy casou em 1964. No mesmo ano teve a sua primeira experiência homossexual enquanto a sua mulher estava no trabalho com o seu filho Michael.
Anos mais tarde, Gacy recusaria ser homossexual, conformando-se que era bissexual. O seu casamento chegou ao fim quando, no ano de 1968, Gacy foi preso e condenado por ter sido encontrado a praticar actos sexuais com um jovem na casa-de-banho de um bar.
Os homicídios começaram em Janeiro do ano de 1972 com a vítima Timothy McCoy, um rapaz de 18 anos. As suas vítimas foram sempre do sexo masculino, jovens de preferência, novos e musculados. Com uma tendência denotada para a pedofilia, tinha um desprezo particular por homossexuais, mas, também, por políticos. Persuadia as vítimas a acompanhá-lo até à sua casa com promessas de emprego, onde, depois, as embebedava ou convidava para a demonstração de algum truque, dada a sua habilidade como palhaço amador. Porém, após amarradas à cadeira, as vítimas já não se soltavam. Gacy apreciava a leitura da bíblia enquanto decorriam as violações e estrangulava vagarosamente, estilo garrote, altura em que também se vestia de palhaço. A sua “assinatura” passava por enfiar na boca ou na garganta das vítimas as suas próprias roupas interiores, para lhes abafar os gritos.
As suspeitas nunca caíram sobre Gacy até ao dia 12 de Dezembro de 1978quando estava a ser investigado a respeito do desaparecimento de Robert Piest, um rapaz de 15 anos, que fora visto a ultima vez com Gacy e quando um vizinho alertou a policia, estranhando os cheiros nauseabundos que escapavam do número 8213 da West Summerdale Avenue. Gacy explicou que era, apenas, “um entupimento nos canos de esgoto”. Mas, mesmo assim, a polícia decidiu investigar. No porão, sob um alçapão oculto, foram encontrados na fossa sanitária – que Gacy tinha mandado construir particularmente grande – os restos de vinte e nove corpos de jovens entre os nove e os vinte e sete anos de idade, denotando sinais de tortura, violências sexuais e estrangulamento.
Na tentativa de explicar o seu comportamento, Gacy declarou que havia quatro John’s: o empreiteiro, o palhaço, o político e o assassino, sendo que este ultimo o possuía em certas alturas, como se fosse um “mau eu”, e era ele que cometia os crimes.
Todos os sete psiquiatras que o examinaram concordaram que ele era inconsciente e contraditório, mas, nenhum diagnosticou múltiplas personalidades, tendo sido considerado competente para ser julgado.
Em 1980 foi condenado pelos seus 33 homicídios confirmados a 21 prisões perpétuas e 12 penas de morte. No dia 10 de Maio de 1994 foi executado na cadeira eléctrica. Durante os 14 anos que teve preso teve mais de 400 visitas e recebeu mais de 27 mil cartas. Aproveitou para se divorciar, tentou o suicídio e dedicou-se à pintura."
Um Olhar Psicanalítico sobre J.W.Gacy Jr.
Desde a sua tenra idade, John Wayne Gacy veio a experienciar toda uma infância negligenciada pautada com violência física e psicológica (e.g. insultos e humilhações) por parte da sua figura paterna.
Numa visão probabilística, com base na escassa informação relativamente à sua biografia, é de salientar uma resolução inadequada do Complexo de Édipo, tendo estabelecido uma identificação com a sua mãe (a nível de padrões comportamentais e, possivelmente, sexuais, estando nesta fase a génese da sua homossexualidade) em oposição a uma figura paterna isenta de afecto e de cuidados vinculativos para com Gacy Jr.
Devido a este conflito intrínseco no seio do seu psiquismo relacionado com a sua sexualidade, com base nos processos mnésicos que contemplavam os repreendimentos do seu pai assim como pelo o próprio constrangimento social, Gacy, numa fase posterior, afirmou-se como bissexual (passando, evidentemente, por uma fase de negação da sua orientação sexual). Desta forma, J.W.G. foi adoptando diversos mecanismos de defesa do seu ego com o intuito de proteger a sua estrutura mental. Destacam-se a repressão e o recalcamento da sua sexualidade, assim como deslocamento da sua angústia e cólera contra indivíduos homossexuais (deslocamento este associado à génese dos seus crimes).
Gacy manifestava um padrão consistente no que respeitava à escolha das suas vítimas, que assentava em dois pontos de referência: indivíduos do sexo masculino assim como fisicamente atraentes. A explicação de tal conduta poderá residir, tal como fora anteriormente mencionado, na expressão do seu subconsciente do ódio que sentia por si mesmo, devido à sua homossexualidade, adoptando toda uma projecção de sentimentos contra aqueles que se moldavam à sua imagem, espelhando, por assim dizer, todos os seus conflitos.
Um outro aspecto relevante de se salientar nos actos de Gacy é o facto de que este, aquando as violações das suas vítimas, apresentava uma apetência peculiar pela leitura da bíblia. Com padrão comportamental, possivelmente, Gacy tentaria a via da desculpabilização e do perdão pelos seus actos e impulsos que não conseguia controlar, tanto a Deus como, provavelmente, ao seu próprio pai.
Apesar de não dispor de uma formação consistente no domínio psicanalítico tentei alcançar, em jeito de reflexão pessoal, um perfil de J.W.G. a partir do modelo da psicanálise, indo ao encontro com a ideia - chave que são as primeiras relações que se estabelecem na infância que determinam, em grande parte, a nossa estrutura da personalidade.
domingo, 14 de dezembro de 2008
O Sofrimento Humano
Desde os primórdios da existência humana que nos encontramos destinados a sofrer. O Homem nasce a chorar. O Homem adoece. O Homem perde entes queridos. E, não obstante, fica velho! Cada dia traduz-se num envelhecimento celular acentuado, na deterioração das funções básicas para a sobrevivência.
O nosso corpo reduz-se a uma esbelta máquina putrescível. E um dia, morremos. Qual a estranheza ao reduzir a insignificante essência humana, aos olhos da natureza, apenas ao principio basilar de que o Homem nasce para morrer? É um facto. E mais. Sem sofrimento não há sucesso, não há tendência para evoluirmos enquanto ser humano. Todo o sofrimento pode promover o Homem ao seu sucesso enquanto entidade única, individual, autónoma e inteligível.
Como refere a célebre frase de Nietzsche, “o que não me mata, torna-me mais forte”, que serve de modelo explicativo para toda a concepção de que não existe uma trajectória unidireccional até ao clímax da evolução humana. É necessário, e categórico, experienciar dificuldades, sofrer (seja no plano físico como no plano psicológico) para se atingir as metas próprias de cada um.
O sofrimento encontra-se intrinsecamente circundado na vida do Homem desde a sua concepção. É inconcebível e incoerente conceber, ou simplesmente cogitar, uma trajectória vital desprovida de qualquer sofrimento. Tal conjectura refutaria, indubitavelmente, a ideia do indivíduo cingido num modelo humano existencialista e sim, presumivelmente, inserindo-se num modelo mecanicista, indolente, carecido de emoções – o apogeu alienista.
O ser humano necessita de ascender, no seu ritmo biopsicológico, à sua montanha de evolução individual com o intuito de, ao alcançar o seu cume, se depare com o seu self ideal (ou, numa perspectiva nitzscheana, com o seu super-homem). À similitude de todas as escaladas físicas a montanhas, esta caminhada metafísica e transcendental defronta-se, analogamente, com dificuldades e sofrimentos onde é imprescindível ostentar a idoneidade de os subjugar individualmente, sem compaixões (inimiga da evolução humana) nem ajuda de outrem.
Não será essa toda a deliberação da existência humana? Poderá subsistir toda uma reflexão de que, para alem de viver para falecer, o propósito da essência humana é atingir, num plano absorto, o seu self ideal? Estaria, desta forma, decifrada a jornada do Homem ao longo do seu ciclo vital, baseada numa metamorfose profícua da mente humana.
Seria inaugurada, num primeiro estádio, com o nascimento (o clímax do padecimento, onde cada entidade individual é colocada, desamparadamente, num mundo incógnito, perigoso, resignando-se a permanecer, incondicionalmente, dependente de outros).
Posteriormente, no decurso dos seus estádios desenvolvimentistas, o ser humano adquiriria uma certa porção de emancipação e uma forma de pensar ainda não integralmente própria, mas incutida por padrões sociais (onde se incluem regras sociais, normas e valores, paradigmas religiosos).
Nesta etapa o Homem seria bombardeado com os distintos espécimes de sofrimento (medos, receios, imaturidade emocional, lidar com o seu impetuoso ritmo biológico) impostos, maioritariamente, pela sociedade alienada e manipuladora. Numa fase posterior, o ser humano aduziria a competência de renegar todo o conjunto de valores impostos pelos demais, sendo capaz de ser ele o próprio o Criador, ser autónomo, em busca do seu self ideal.
Em desfecho, no seu último estádio desenvolvimentista, cunhado por velhice, ulteriormente a uma extensa caminhada, o Homem alcança ao cume da montanha. O self ideal é absorvido, encerrando todo um ciclo de um processo de metamorfose metafísica.
Raras são as entidades que completam esta jornada evolutiva, diversas são as que não chegam a começar. Num futuro longínquo, em prol da evolução humana, seria sensato fragmentar todas as barreiras alienistas do espírito humano, negligenciando, o quanto possível, as imposições religiosas e morais que possam, de certa forma, moldar toda a mente do Homem no sentido de se sujeitar a padrões comportamentais previstos pelos demais – figuração da raça humana como uma produção em série de maquinismos computadorizados – alcançando um estado psicológico de satisfação pessoal, experienciando as dificuldades e sofrimentos implícitos para a concretização dessa mesma condição.
quinta-feira, 27 de novembro de 2008
sexta-feira, 21 de novembro de 2008
Síndrome de Munchausen (por Procuração)
O Síndrome de Munchausen (designação derivada do Barão de Münchhausen, a quem é atribuído uma série de contos fantásticos), pode ser compreendido como um distúrbio psicológico em que o paciente, num acto compulsivo, deliberado e contínuo, origina, provoca ou simula sintomas patológicos, com o único intuito de obter assistência médica e/ou de enfermagem. Igualmente denominada por simulação, é a patologia fictícia com um impacto mais pejorativo, devido à indução de algum sintoma que possa comprometer seriamente a vida do seu portador.
Num panorama mais exclusivo, podemo-nos encontrar perante um tipo específico de Síndrome de Munchausen que se direcciona, com uma grave peculiaridade, às crianças – Síndrome de Munchausen por Procuração. Este síndrome sobrevém quando um parente, geralmente a mãe (cerca de 90% dos casos), de forma sistemática produz, intencionalmente, sintomas no seu filho, colocando-o numa situação de risco (cortes, envenenamentos, queimaduras…) em que seja necessária a intervenção hospitalar.
Este padrão comportamental pode ser desprendido em sujeitos que já experienciaram uma doença grave, em indivíduos que, outrora, foram sujeitos a abusos sexuais e em indivíduos com perturbações de personalidade e / ou perturbações emotivas.
No que diz respeito ao tratamento desta patologia, quando o indivíduo admite a doença (algo que raramente acontece), é aconselhada psicoterapia e acompanhamento farmacológico, nomeadamente antidepressivos, numa primeira fase.
Quando estamos perante um caso de Síndrome Por Procuração é indispensável o retiro da criança do contexto familiar onde o parente portador da doença se encontre.
Tentando alcançar uma abordagem explicativa para esta psicopatologia, diversos são os factores que podem estar na sua génese. Por vezes subsiste, na perspectiva da progenitora, a intenção de conquistar algum proveito pessoal com toda a situação, como por exemplo uma mulher que viva num clima de violência familiar e que deseje chamar a atenção do marido.
Por outro lado, a doença e a hospitalização da criança cria um ambiente psicológico mais confortável para o progenitor ou, ainda, o indíviduo pode manifestar uma percepção alterada da sua sintomatologia e, assim, tenta alcançar uma assistência médica de uma forma compulsiva. Todavia, nos padrões clássicos da doença, a predisposição para provocar a doença não apresenta um objectivo significativamente coerente, não sendo mais do que uma necessidade intrínseca em adoptar o papel de doente ou da pessoa que cuida de um doente (no caso do Síndrome por Procuração).
Um último aspecto a realçar é que nem todos os sintomas são engendrados pelo progenitor. Usualmente, a mãe (ou o pai) limita-se a acumular sintomas às manifestações reais de uma doença que a criança apresenta, ou dando um ênfase maior aqueles que ela já exterioriza.
A título de exemplo tomemos o caso da Rita.
A Rita é uma criança que sofre, unicamente, de asma, todavia a mãe dirige-se ao hospital, exigindo um internamento para a Rita pois a filha apresenta, por vezes, convulsões, hemorragias nasais entre outros sintomas que considere de uma gravidade desmedida.
Para a sinalização desta patologia é necessária uma perspicácia incondicional e mesmo demonstrando a legitimidade de um episódio, é conveniente prosseguir com as investigações de variados eventos para averiguar a coerência entre os dados revelados pelos progenitores e os factos ostentados pelas crianças.