"Os outros estavam sempre a bater-me na escola. Eu não lhes batia, porque sou contra a violência e porque é contra a minha religião. Era uma vítima por ser gordo e por ter muitas borbulhas na cara. Batiam-me também por causa da minha Igreja e por eu cantar em louvor com duas colegas de outra turma. Chamavam-me nomes e atiravam-me a mochila para fora do autocarro. Estava sempre a perdoar-lhes, mas cada vez era mais difícil aceitar. Não sabia o que fazer e comecei a tirar más notas, a ter pesadelos e a não querer ir à escola. Tinha pânico quando a segunda-feira chegava. Agora estou a ter um psicólogo das vítimas. O meu pai decidiu que eu podia mudar de escola e eu estive de acordo (…)."
Rodrigo, 13 anos
Bullying é um padrão comportamental que pode ser definindo como repetido ataque físico, psicológico, social ou verbal por aqueles que se encontram numa postura de poder – formal ou situacionalmente delimitada – aos que não exteriorizam uma idoneidade de resistir, com o intento de fomentar mal – estar para sua própria vantagem ou gratificação. É caracterizado por ser um acto ininterrupto e não ocasional. Um outro aspecto para se ter em conta ao catalogar um comportamento ofensivo em bullying é que ”ocorre num relacionamento onde há um desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas” (exemplo, estatura física), como refere Dan Owelus, cientista norueguês.No plano estatístico, estima-se que 1 em 4 alunos encontra-se circundado em comportamentos de bullying e, apesar de toda a violência testemunhada, 70% dos colegas observadores nada fazem, com o receio, muitas vezes, de serem, posteriormente, alvos de tal prática.
Relativamente às suas características, podemos mencionar que:
- É uma forma de agressão pró – activa
- Traduz uma relação desigual de força: não se qualificam como bullying conflitos e agressões que sucedem entre alunos com a mesma capacidade física, social ou mental
- Fomenta dano, temor, perturbações ou injurias às vítimas, induzindo sentimentos de inferioridade
- Pode ocorrer no plano virtual (ciber bullying): nestes casos, o agressor não tem de ser, forçosamente, mais forte, no plano físico, do que a vitima
- Adopta um carácter repetitivo ao longo do tempo. O critério de frequência da vitimização varia de acordo com os estudos: algumas vezes por ano; três vezes no mínimo num dado período; uma ou mais vezes por semana.
Em termos genéricos das práticas ofensivas, o bullying decompõe-se, essencialmente, em duas categorias: bullying directo (que afigura comportamentos como violência, roubo, destruição de pertences e insultos - forma mais trivial entre os bullies masculinos) e bullying indirecto (onde no qual se incluem a maledicência, rejeição social e ostracismo - comportamento mais alegórico dos bullies femininos).
No domínio da classificação dos diversos agentes que integram a pratica do bullying, far-se-á alusão aos próprios bullies, às vítimas em causa e, não menos relevante, aos observadores de todo este modelo comportamental.
Relativamente aos tipos de Bullies, podemos mencionar, significativamente, 3 padrões:
- Agressivos: desencadeiam a agressão; ameaçam e intimidam para atingir objectivos; não ostentam consciência dos sentimentos negativos dos seus colegas
- Passivos: são os conhecidos “seguidores”; não desencadeiam o bullying, contudo reproduzem o comportamento do bully agressivo. Encontram-se nesta classificação as crianças com um perfil ansioso e inseguro.
- Relacionais: comportamentos de agressão / rejeição social
Quanto à tipologia das vitimas podemos classifica-las em:
- Passivas: podem exibir particularidades que as tornam alvo condescendente de agressão (exemplo: cor de pele, alguma deficiência perceptível, etc.)
- Provocatórias: sabem estritamente como estimular a agressão por parte do bully (comportamentos desajustados). Apresentam um maior risco de suicídio
- Relacionais: neste conjunto incluem-se as crianças abrangidas por relações que não conseguem controlar
Por último, os observadores de toda a problemática podem ser sistematizados em dois parâmetros peculiares:
- Como fazendo parte do problema: observam, instigam, manifestam medo
- Como fazendo parte da solução: tentam diligenciar ajuda
Centralizemo-nos, agora, nos traços basilares específicos das vítimas de agressão e dos bullies. Relativamente às características físicas, os bullies, usualmente, aduzem uma grande robustez, aptidão para o desporto, entre outros aspectos. Quanto ao autoconceito, o bully apresenta, vulgarmente, um autoconceito mais positivo do que o da vitima, que, se vai fragilizando temporalmente. No que diz respeito à idoneidade autocrítica, esta encontra-se expressivamente deteriorada na self do bully. Remetendo para o contexto familiar, os bullies deparam-se, maioritariamente, em contextos familiares desorganizados, onde se advoga a submissão por parte dos outros.
Várias são as consequências que o bullying pode acarretar, seja no domínio do self da vítima seja na estruturação cognitiva do próprio bully. As vítimas exibem, comummente, quadros depressivos, baixa auto-estima, somatização, perturbações do sono, enurese, denegação em ir à escola, abandono escolar, poucos amigos, homicídio, suicídio. Quanto aos bullies, declaram fortes probabilidades de incrementarem futuros comportamentos desviantes ou de abraçarem trajectórias delinquentes.
Um dado que pondero ser proeminente, é o facto de 6% das vítimas desta pratica agressiva, convertem-se, tardiamente, em agressores. Esta motivação associa-se com a aspiração de conquistar o poder do agressor e/ou por considerar que o agressor não se encontra totalmente desacertado nos seus comportamentos (pensamentos como “eu até sou gordo…”; “eu até sou pobre…”, são frequentes por parte das vitimas).
Um outro aspecto que gostaria de acentuar é o quanto a pratica de bullying, enquanto concepção, é ainda negligenciada no seio nacional. Encaro que uma grande porção da população (onde abarco pais, professores…) exibe um contacto com bullying (seja um filho seu ou um aluno) a partir da percepção de que tal prática não vai para além de mais uma etapa normativa do desenvolvimento infanto – juvenil.
Não é assim tão disparatado quando nos confrontamos com diversas situações irrisórias de um aluno, vítima de bullying, ir fazer queixas a um professor ou a um auxiliar educativo e, como contestação, ouvir um “não sejas queixinhas”. Todavia, quando, porventura, os professores decidem atender às queixas dos alunos, tendem a punir os agressores com práticas educativas um tanto para o ridículas – escrever, a titulo de exemplo, 100 vezes numa folha “não volto a bater no meu colega”. Não é, então, com surpresa, que assistimos a um acréscimo da prática de bullying por parte deste agressores, tendo em vista que a punição (demasiado behaviorista) consumada é demasiado baixa comparativamente ao prazer de humilhar o seu colega. A repetição de um padrão comportamental não chega, de todo, para modificar uma determinada atitude.
No plano de intervenção, várias são a estratégias que se podem adoptar para o combate a esta pratica delituosa:
- Identificação com o fenómeno: considero este aspecto como a primeira etapa, e das mais valorizadas, para contender contra o bullying. Não é exequível fazer frente a algo que se desconhece. É, assim, de extrema relevância organizar acções de formação (tanto para pais, professores, como para as próprias crianças) com o intuito de elucidar o que é, afinal, o bullying, como se exterioriza, sinais de alerta, características e consequências.
- Implementar programas de promoção pessoal e social
- Ao invés da suspensão dos bullies, seria mais conveniente que estes executassem tarefas do âmbito escolar (coadjuvar os auxiliares de educação, por exemplo, nas suas funções). Ao realizarem este tipo de trabalhos, além de apreenderem que os actos arrastam consequências severas, desenvolveriam uma visão mais sucinta do que é estar do lado da vitima (este tipo de tarefas são encaradas pelos agressores, muitas vezes, como humilhantes)
- Motivar os bullies para participarem em projectos escolares frutuosos e de algum interesse pessoal (dança, teatro, musica), o que levaria a uma modificação de comportamento mais lucrativa
No plano nacional, o bullying ainda não se pode considerar como uma problemática de grande incidência, todavia ostenta uma intensa tendência a aumentar, acompanhada cada vez com mais seriedade.
É indispensável que, desde os primórdios da acção educativa no desenvolvimento infantil, se principie, assim, uma sensibilização os jovens para este tipo de comportamentos, direccionar uma maior atenção para as famílias disfuncionais, que muitas vezes concebem este tipo de condutas, e, por último, investir um pouco mais em programas psicoeducativos, seja no âmbito da formação de professores como em tarefas de promoção pessoal e social nas salas de aula.
Num panorama mais pessoal, a situação da Educação em Portugal, analogamente a tantos outros domínios, não se encontra num nível razoavelmente satisfatório, todavia se não negligenciarmos esta problemática em torno de todas estas questões, muito pode ser feito, ainda que a longo prazo.